Cem anos que eu viva não posso esquecer-me
Daquele navio que eu vi naufragar
Na boca da Barra tentando perder-me
E aquela janela virada pro mar
Sei lá quantas vezes desci esse Tejo
E fui p´lo mar fora com a alma a sangrar
Levando na ideia uns lábios que invejo
E aquela janela virada pro mar
Marinheiro do Mar Alto
Quando as vagas uma a uma
Prepararem-te um assalto
P´ra fazer teu barco em espuma
Repara na quilha bailando na crista
Das vagas gigantes que o querem tragar
Se não tens cautela não pões mais a vista
Naquela janela virada pro mar
Se mais ainda houvesse mais fortes correra
Lembrando-me em noites de meigo luar
De uns olhos gaiatos que estavam à espera
Naquela janela virada pro mar
Mas quis o destino que o meu mastodonte
Já velho e cansado viesse encalhar
Na boca da barra e mesmo defronte
Naquela janela virada pro mar
Marinheiro do mar alto
Olha as vagas uma a uma
Preparando-te um assalto
Entre montes de alva espuma
Por mais que elas bailem numa louca orgia
Não trazem desejos de me torturar
Como aquela doida que eu deixei um dia
Naquela janela virada pro mar
(Frederico de Brito)
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